Muito se especula sobre supostos efeitos nocivos do consumo do leite, inclusive entre aqueles que não têm intolerância à lactose ou alergia à proteína do leite. Dentre os argumentos que sustentam as críticas ao leite (claro, desconsiderando absurdos do tipo “somos o único animal que toma leite após o desmame” – experimente colocar um pote de leite na frente de um gato…), especula-se que as proteínas intactas do leite podem promover certa ativação do sistema imune, resultando, entre outras coisas, em inflamação e produção de autoanticorpos. Embora ambos processos façam parte da patogenia de diversas doenças crônicas, a produção de autoanticorpos seria particularmente preocupante, principalmente em crianças que já possuem predisposição genética para doenças autoimunes, como é o caso do diabetes tipo 1. Estudos em roedores há tempos já mostravam que o consumo de fórmulas hidrolisadas conferia proteção contra diabetes tipo 1 em comparação com leite normal (Karges et al., 1997).
Há alguns anos, um estudo (Knip et al., 2010) com ~230 bebês que recebiam proteína do leite hidrolisada (teoricamente sem potencial para gerar autoimunidade) vs. leite normal de vaca mostrou que a caseína hidrolisada reduziu a incidência de sinais de autoimunidade contra células produtoras de insulina. Ainda que esses resultados possam sugerir que o leite aumenta o risco de desenvolver diabetes, esse mesmo estudo mostrou que a incidência de diabetes tipo 1 foi bastante similar entre os grupos que consumiam leite e caseína hidrolisada.
Posteriormente, um novo estudo (Knip et al., 2018), porém agora envolvendo um número muito maior de bebês (~2100) provenientes de 15 países, que foram acompanhados por até 11 anos, reavaliou as mesmas intervenções: dar ao bebê, após o desmame, leite normal de vaca ou fórmula à base de caseína hidrolisada. Detalhe importante: foram recrutados apenas bebês com risco genético para diabetes tipo 1. Como mostra o gráfico abaixo, o leite normal de vaca não aumentou a incidência de diabetes nessas crianças. Também não houve diferenças para as idades em que apareceram os primeiros autoanticorpos. Por fim, não houve diferença na incidência de doenças respiratórias infecciosas.

Em suma..
existem fortes evidências de que o leite não é prejudicial para aqueles com predisposição genética. Evitar as proteínas do leite igualmente não confere proteção. Imagine para pessoas sem predisposição. Se não há intolerância ou alergia ao leite, será que vale abster-se de um alimento tão nutritivo? A ciência mostra que não.
Referências
Karges W, Hammond-McKibben D, Cheung RK, Visconti M, Shibuya N, Kemp D, Dosch HM. Immunological aspects of nutritional diabetes prevention in NOD mice: a pilot study for the cow’s milk-based IDDM prevention trial. Diabetes. 1997 Apr;46(4):557-64. doi: 10.2337/diab.46.4.557. PMID: 9075794.
Knip M, Virtanen SM, Seppä K, Ilonen J, Savilahti E, Vaarala O, Reunanen A, Teramo K, Hämäläinen AM, Paronen J, Dosch HM, Hakulinen T, Akerblom HK; Finnish TRIGR Study Group. Dietary intervention in infancy and later signs of beta-cell autoimmunity. N Engl J Med. 2010 Nov 11;363(20):1900-8. doi: 10.1056/NEJMoa1004809. PMID: 21067382; PMCID: PMC4242902.
Writing Group for the TRIGR Study Group; Knip M, Åkerblom HK, Al Taji E, Becker D, Bruining J, Castano L, Danne T, de Beaufort C, Dosch HM, Dupre J, Fraser WD, Howard N, Ilonen J, Konrad D, Kordonouri O, Krischer JP, Lawson ML, Ludvigsson J, Madacsy L, Mahon JL, Ormisson A, Palmer JP, Pozzilli P, Savilahti E, Serrano-Rios M, Songini M, Taback S, Vaarala O, White NH, Virtanen SM, Wasikowa R. Effect of Hydrolyzed Infant Formula vs Conventional Formula on Risk of Type 1 Diabetes: The TRIGR Randomized Clinical Trial. JAMA. 2018 Jan 2;319(1):38-48. doi: 10.1001/jama.2017.19826. PMID: 29297078; PMCID: PMC5833549.
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