O ômega 3 está entre um dos suplementos mais queridinhos entre os profissionais de saúde, sendo usado para quem tem problemas cardiovasculares, reumatológicos (como artrites), doenças neurológicas (como o Alzheimer) e entre outras condições – mas será tema para um outro vídeo. E, mais recentemente, alguns estudos têm sugerido que o ômega-3 poderia potencializar o ganho de massa muscular, por ter a capacidade de “ligar” a maquinaria interna do músculo que controla a síntese de proteínas musculares. Mas, será que isso realmente acontece?
O que é o ômega 3? Ou melhor, o que são os ômegas 3?
Os ômegas 3 são gordura poli-insaturadas essências, isto é, nosso corpo possui uma capacidade limitada de produzir esse ácido graxo e por isso, precisamos ingerir pela dieta ou até mesmo por meio da suplementação.
Os dois ômegas 3 mais conhecido são: o EPA e o DHA, que estão presentes principalmente em peixes gordurosos de água fria, óleo de peixe e crustáceos. Mas além do EPA e DHA, temos o ácido α-linolênico (o ALA) que pode ser encontrado em alimentos de origem vegetal como: castanhas, linhaça, chia e óleos vegetais (como o óleo de canola). Fontes animais e vegetais?
Os ômegas 3 têm sido reconhecidos pelos seus diversos benefícios à saúde via ação anti-inflamatória, melhora do sistema imune, cognição, redução de triglicérides e função neuromuscular. Pela dificuldade que muitas pessoas têm em atingir as necessidades de ômega 3 por dia, muitos profissionais prescrevem ômega 3 para pacientes com colesterol alto, pressão alta, obesidade, síndrome metabólica, artrite reumatoide e muitas outras doenças de base inflamatória.
Além de seus efeitos bem conhecidos na saúde, estudos em células, em animais e até mesmo em humanos mostraram que a suplementação com ômega 3 poderia aumentar a expressão de genes e proteínas associadas ao processo de hipertrofia em indivíduos saudáveis e de meia idade. E, o efeito “anabólico do ômega 3” ganhou bastante atenção após a publicação de um estudo (Smith et al., 2011) que mostrou que 4g/d de ômega 3 por 8 semanas aumentou em 30 a 60% a síntese proteica muscular. O possível mecanismo de ação seria por meio da maior incorporação de ômega 3 na membrana das fibras. Como já sabemos as proteínas, mais especificamente, os aminoácidos são fundamentais para estimular a síntese proteica e, em longo prazo, levar à hipertrofia. E, com a maior incorporação de ômega 3 na membrana, essa membrana teria mais fluidez, melhorando sua funcionalidade e sua capacidade de captar aminoácidos para o músculo. Isso aumentaria a ativação das vias de síntese proteica, ou seja, aumentaria o estímulo anabólico. Além disso, tem sido sugerido que os ômegas 3 podem reduzir o catabolismo proteico e aumentar a sensibilidade dos miócitos à ação da acetilcolina (o neurotransmissor que transfere o estímulo dos neurônios ao músculo). Isso poderia, em tese, melhorar a contratilidade do músculo. E, teoricamente, isso poderia contribuir para ganhos na massa e força muscular.
Mas o que os estudos nos dizem sobre isso?
Alguns estudos até mostram melhoras no ganho de massa muscular, porém outros não conseguem observar qualquer efeito. Para esclarecer está questão, uma revisão sistemática e meta-análise publicada por um grupo da UNICAMP, incluindo 14 estudos com mais de 1.400 participantes no total, verificou que a suplementação de ômega 3 aumentou significativamente a força muscular de jovens e idosos saudáveis (mas, vale notar que o aumento foi bem pequeno), mas não influenciou no ganho de massa muscular e na função. Mas isso em jovens e idosos saudáveis, sem nenhuma doença crônica ou outras condições catabólicas.
Porém, parece que o cenário muda quando o ômega 3 é usado em situações em que ocorre o comprometimento da síntese proteica, como é o caso:
- do baixo consumo de proteína diária
- imobilização/desuso de algum membro
- presença de sarcopenia ou outras doenças crônicas, que são caraterizadas pela inflamação sistêmica
- ou ainda, idosos com alto grau de resistência anabólica (que é uma resposta subótima a um estímulo anabólico como o exercício e/ou alimentação)
De fato, idosos de 65 a 80 anos que suplementaram com 4g de EPA e DHA, após 24 semanas melhoram significativamente força e função muscular. Ainda, o ômega 3 também pode trazer benefícios para jovens em condições catabólicas, como sugere um estudo com mulheres que tiveram uma das pernas imobilizada e, após 6 semanas de EPA e DHA, tiveram a perda de massa muscular atenuada. Alguns dos possíveis mecanismos de ação são: a ação anti-inflamatória do ômega 3, atenuando o processo inflamatório de baixo grau comumente relacionado ao envelhecimento e situações de desuso. Também se especula que ocorra incorporação de ômega 3 na membrana muscular, o que poderia facilitar a entrada de aminoácidos e estimular o anabolismo muscular.
Sendo assim, algumas conclusões podem ser extraídas:
- Apesar de um referencial teórico bastante convincente, a suplementação do ômega 3 não promove aumento no ganho de massa muscular e nem na função muscular de jovens e idosos saudáveis. No entanto, os estudos mostram haver um pequeno aumento na força muscular, porém este aumento seria tão trivial que provavelmente não seria relevante do ponto de vista clínico.
- Por outro lado, pesquisas atuais nos levam a crer que a suplementação de ômega 3 pode beneficiar indivíduos com maior nível de comprometimento muscular, como idosos com fragilidade.
- Mas, antes de sairmos suplementando com ômega 3 qualquer idoso, mais estudos randomizados e controlados por placebo são necessários para elucidar dosagem, tempo de uso e público-alvo.
Referências
G.I. Smith, P. Atherton, D.N. Reeds, B.S. Mohammed, D. Rankin, M.J. Rennie, et al., Omega-3 polyunsaturated fatty acids augment the uscle protein anabolic response to hyperinsulinaemia in healthy young and middle-aged men and women, Clin Sci 121 (6) (2011) 267–278.
Santo André HC, Esteves GP, Barreto GHC, Longhini F, Dolan E, Benatti FB. The Influence of n-3PUFA Supplementation on Muscle Strength, Mass, and Function: A Systematic Review and Meta-Analysis. Adv Nutr. 2023 Jan;14(1):115-127.
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