Nos últimos anos, temos observado o crescimento de um certo medo ou aversão ao consumo de carboidratos, ao que tem sido referido como “carbofobia”. As pessoas que demonstram essa aversão geralmente relatam acreditar que esses nutrientes poderiam causar ganho de peso e outros problemas de saúde. Influenciadas por algumas populares dietas da moda, como as low-carb e cetogênicas, essas pessoas associam a ingestão de carboidratos a picos de glicose e insulina no sangue, aumento de gordura corporal e baixa energia ao longo do dia. Embora existam evidências (1) de que alguma moderação no consumo de carboidratos possa beneficiar certas condições metabólicas, o medo excessivo dos carboidratos ignora o seu importante papel no metabolismo energético, sobretudo durante o exercício físico.
Qual papel dos carboidratos?
Durante o exercício, os carboidratos são essenciais para um bom desempenho, especialmente em sessões mais prolongadas. Isso ocorre porque os carboidratos atuam como principal fonte de ATP (energia) para os músculos ativos. Em atividades realizadas acima de 75% do VO2Max, o glicogênio muscular (forma na qual a glicose é estocada no músculo) é utilizado a altas taxas para sustentar o esforço, o que destaca sua importância como combustível para o exercício. Se o exercício for suficientemente prolongado, os estoques de glicogênio podem ser depletados e, uma vez esgotados, a fadiga muscular pode se manifestar (2). Além disso, a queda nos estoques de glicogênio, mesmo que não atinja depleção quase completa ou valores criticamente baixos, já pode prejudicar a saída de íons Ca2+ nos músculos ativos (3). Cabe aqui lembrar que a liberação de Ca2+ dos retículos sarcoplasmáticos é uma etapa fundamental no processo de contração muscular, e que menos Ca2+ liberado é sinônimo de menos tensão gerada durante a contração. Interessantemente, estudos com microscopia eletrônica (4) mostram que existem grânulos de glicogênio especificamente localizados nas proximidades do retículo sarcoplasmático, onde cumprem a função de fornecer o ATP necessário para a movimentação de Ca2+. Mesmo que o glicogênio muscular total não esteja reduzido a valores críticos, reduções específicas nos grânulos do retículo sarcoplasmático já podem comprometer a função contrátil e contribuir para a queda de desempenho.
O consumo de carboidratos antes do exercício ajuda a maximizar as reservas de glicogênio, evitando que quedas acentuadas nos estoques de glicogênio muscular ocorram durante o exercício. Isso pode contribuir para uma melhor tolerância ao esforço, retardando a fadiga durante atividades prolongadas.
Quando se fala em exercícios de endurance, como corrida e ciclismo, a suplementação de carboidratos durante o treino tem se mostrado benéfica para melhora do desempenho, poupando o glicogênio muscular e mantendo os níveis de glicose no sangue. Estudos indicam que a ingestão de carboidratos de rápida absorção, como maltodextrina e glicose, é eficaz em fornecer energia contínua para os músculos em atividade (5). Isso é especialmente relevante em exercícios de longa duração, onde a depleção do glicogênio muscular poderia limitar a performance.
Outro aspecto importante é a escolha do tipo e o momento da ingestão de carboidratos. Nas ~3-4 horas que antecedem o exercício, pode-se consumir alimentos ricos em carboidratos e polímeros de carboidratos (também conhecidos como carboidratos complexos), o que permite um perfil mais gradual de liberação de glicose para a corrente sanguínea. Já durante o exercício, carboidratos simples são a primeira escolha e, se forem consumidos em grandes quantidades, podem ser combinados com outros tipos de carboidratos para otimizar a absorção e evitar efeitos colaterais intestinais. A escolha dos carboidratos, portanto, deve considerar fatores como a velocidade de absorção, o tipo de transportador intestinal utilizado, a duração e a intensidade do exercício, ajustando-se às necessidades de cada atividade e a características individuais do atleta, como a tolerância intestinal aos carboidratos.
Por fim, a ingestão de carboidratos após o exercício é essencial para a reposição das reservas de glicogênio e a recuperação muscular. A combinação de carboidratos e proteínas no período pós treino é capaz de acelerar o processo de ressíntese de glicogênio, preparando o corpo para futuras sessões de treinamento (no mesmo dia, inclusive). Dessa forma, os carboidratos não apenas sustentam o desempenho durante o exercício, mas também desempenham um papel vital na recuperação e no preparo para atividades subsequentes.
Portanto…
a carbofobia não se justifica quando consideramos o papel essencial que os carboidratos cumprem possuem no desempenho físico. Longe de resultar em qualquer efeito prejudicial, o consumo adequado de carboidratos pode, na verdade, otimizar o desempenho, retardar a fadiga e acelerar a recuperação pós treino, o que é fundamental para atletas e praticantes de exercícios. Ao invés de temê-los, use a ciência para incluí-los em sua alimentação e obter o máximo de benefícios que os carboidratos podem proporcionar a quem pratica exercícios.
Referências
- van Zuuren EJ et al. Effects of low-carbohydrate- compared with low-fat-diet interventions on metabolic control in people with type 2 diabetes: a systematic review including GRADE assessments. The American Journal of Clinical Nutrition, Volume 108, Issue 2, 300 – 331
- Shulman RG, Rothman DL. The “glycogen shunt” in exercising muscle: A role for glycogen in muscle energetics and fatigue. Proc Natl Acad Sci U S A. 2001 Jan 16;98(2):457-61. doi: 10.1073/pnas.98.2.457. PMID: 11209049; PMCID: PMC14608.
- Ørtenblad N, Westerblad H, Nielsen J. Muscle glycogen stores and fatigue. J Physiol. 2013 Sep 15;591(18):4405-13. doi: 10.1113/jphysiol.2013.251629. Epub 2013 May 7. PMID: 23652590; PMCID: PMC3784189.
- Nielsen J, Suetta C, Hvid LG, Schrøder HD, Aagaard P, Ørtenblad N. Subcellular localization-dependent decrements in skeletal muscle glycogen and mitochondria content following short-term disuse in young and old men. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2010;299:E1053–E1060. doi: 10.1152/ajpendo.00324.201
- JEUKENDRUP, A. E. A step towards personalized sports nutrition: carbohydrate intake during exercise. Sports Medicine, v. 44, v. 1, p. 25-33, 2014.
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