O exercício físico regular é amplamente recomendado para prevenir diversas doenças crônicas não transmissíveis, e também como parte do tratamento de muitas delas. Esse é, sem sombra de dúvidas, o caso da obesidade, uma doença cujo desenvolvimento depende, pela força das leis da termodinâmica, que o consumo energético seja, em longo prazo, maior do que o gasto. Dentro desta lógica do equilíbrio energético, é tentador imaginar que o exercício físico tem muito a contribuir com a perda peso ao ajudar com o lado do gasto energético desta balança. No entanto, por mais paradoxal que isso possa parecer, o fato é que diversos estudos têm mostrado uma eficiência limitada do exercício físico em induzir perdas importantes de peso corporal (1).
Calma, que eu te explico!
Lamentavelmente, esses dados têm sido interpretados de forma bastante equivocada, como se o exercício não resultasse em nenhum efeito benéfico às pessoas com obesidade, sendo, por consequência, dispensável no manejo da condição. Lei do engano! Hoje as evidências são muito claras quanto aos benefícios do exercício no controle da obesidade. Além de melhoras metabólicas que ocorrem mesmo quando não há perda de peso, o exercício leva à redução da gordura visceral, e melhora da composição corporal.
Para entender melhor essa questão, vamos analisar um estudo canadense de 2004 (2) que avaliou mulheres obesas e sedentárias por 14 semanas, dividindo-as em três grupos. O Grupo 1 reduziu o consumo de energia em 500 kcal/dia, enquanto o Grupo 2 passou a fazer exercícios 5 vezes por semana, gerando um gasto energético equivalente ao grupo 1, de 500 kcal/dia. O Grupo 3, por sua vez, também treinava 5 vezes por semana, porém aumentando o consumo energético em de forma a manter o equilíbrio calórico. Ao final das 14 semanas, observou-se que os Grupos 1 e 2 perderam peso de forma similar, indicando que a perda de peso está fundamentalmente associada ao desequilíbrio entre calorias consumidas e gastas. Todavia, o Grupo 2 perdeu mais gordura do que o Grupo 1. Já o Grupo 3, apesar de não ter perdido peso, obteve uma redução de gordura corporal comparável àquela do grupo que fez apenas dieta. Assim, há mais de uma década sabemos que o exercício físico pode, sim, promover perda de gordura corporal, em alguns casos até superior àquela induzida apenas pela dieta. Ademais, o exercício auxilia na preservação da massa muscular durante o processo de emagrecimento.
Entretanto, por que algumas pessoas que começam a praticar exercícios não perdem peso, ou eventualmente até ganham peso? Para elucidar essa questão, pesquisadores conduziram três estudos distintos (3,4,5) com indivíduos com sobrepeso e obesidade, que passaram a realizar exercícios aeróbicos, como corrida e ciclismo. Em todos os estudos, os autores observaram uma grande variabilidade nas respostas ao treino: enquanto alguns indivíduos perderam até 14 kg de peso e 8 kg de gordura, outros chegaram a ganhar 4 kg de peso e 2,5 kg de gordura. Essa variação permitiu que os participantes fossem classificados em dois grupos: os “não compensadores”, que são aqueles que, naturalmente, não repõem as calorias gastas durante o exercício e, portanto, perdem peso e gordura; e os “compensadores”, que aumentam a ingestão alimentar quando começam a se exercitar.
Os “compensadores” tendem a experimentar um aumento acentuado do consumo de alimentos após o exercício, especialmente aqueles ricos em gordura e açúcar. Como resultado, acabam compensando e até superando as calorias gastas, o que pode levar ao aumento de peso e de gordura corporal. Ademais, a ideia de que “já que fiz exercício, posso comer o que quiser” pode ser enganosa, uma vez que ingerir 500 kcal é muito mais fácil do que gastar a mesma quantidade por meio do exercício.
Outra resposta compensatória induzida pelo exercício é a redução do gasto energético de repouso. No estudo descrito acima, os “compensadores” também reduziram o gasto energético em cerca de 100 kcal/dia, mesmo realizando as mesmas atividades diárias, o que os autores denominaram de “adaptação metabólica negativa” – o que certamente favoreceu o ganho de peso e de gordura corporal.
Um outro estudo (6) que investigou essa redução compensatória do exercício confirmou o fenômeno, mostrando que, em um programa de treinamento cujo gasto semanal foi de 1500 kcal, cerca de 1000 kcal foram compensadas. Ou seja, das 1500 kcal gastas, apenas 500 foram efetivamente contabilizadas na balança energética. Por outro lado, ao realizar o dobro do volume de treino, com gasto semanal de 3000 kcal, a energia calorias compensada foram as mesmas 1000 kcal, deixando 2000 kcal/semana para ajudar no balanço energético. Esses dados abrem uma perspectiva mais otimista sobre o papel do exercício físico no tratamento da obesidade, já que indica haver um certo limite para a compensação energética, e que o aumento do volume de treino seria uma estratégia eficaz para induzir perdas de peso mais significativas. Importante ressaltar que estudos recentes de revisão sistemática com meta-análise confirmam esses dados (1).
Por fim, a baixa eficiência do treinamento físico em induzir perdas de peso parece estar limitada não apenas a volumes mais modestos de treino, mas também a períodos mais curtos de intervenção. Estudos sobre treinamento físico em pessoas com obesidade são geralmente limitados a poucos meses ou, no melhor dos cenários, a 1-2 anos de duração. No entanto, estudos prospectivos têm mostrado que a atividade física é um dos principais fatores que predizem a manutenção do peso em longo prazo, no curso de vários anos de tratamento para obesidade.
Sendo assim,
é natural que haja uma certa dificuldade em perder peso apenas com a prática de exercícios físicos. A combinação com outros tratamentos, nutricionais, comportamentais e medicamentosos é fundamental para o adequado manejo do risco da obesidade. De qualquer forma, os benefícios do exercício para a pessoa com obesidade vão muito além do peso na balança, e manter-se firme nos treinos é fundamental para mudanças de peso e de saúde que sejam sustentáveis em longo prazo.
Referências
Jayedi A, Soltani S, Emadi A, Zargar M, Najafi A. Aerobic Exercise and Weight Loss in Adults: A Systematic Review and Dose-Response Meta-Analysis. JAMA Netw Open. 2024;7(12):e2452185. doi:10.1001/jamanetworkopen.2024.52185
Flack KD, Ufholz K, Johnson L, Fitzgerald JS, Roemmich JN. Energy compensation in response to aerobic exercise training in overweight adults. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2018 Oct 1;315(4):R619-R626. doi: 10.1152/ajpregu.00071.2018. Epub 2018 Jun 13. PMID: 29897822; PMCID: PMC6230893.
Ross R, Janssen J, Dawson J, et al. Exercise-induced reduction in obesity and insulin resistance in women: a randomized controlled trial. Obesity Research 2004; 12(5): 789-798.
King N, Hopkins M, Caudwell P, et al. Individual variability following 12 weeks of supervised exercise: identification and characterization of compensation for exercise-induced weight loss. International Journal of Obesity 2008; 32: 177-184.
Finlayson G, Caudwell P, Blundell J, et al. Low fat loss response after medium-term supervised exercise in obese is associated with exercise-induced increase in food reward. Journal of Obesity 2011.
Hopkins M, Gibbons C, Blundell J, et al. The adaptive metabolic response to exercise-induced weight loss influences both energy expenditure and energy intake. European Journal of Clinical Nutrition 2014; 68(5): 581-586.
© 2025. All rights reserved.