O xilitol é um tipo de açúcar produzido naturalmente pelo nosso organismo, mas em quantidades bem baixas. É também produzido por frutas e vegetais, e a indústria alimentícia extrai do xilitol dessas fontes para usar como adoçante. O xilitol tem poder de adoçar bem parecido com o açúcar, porém com 40% menos calorias – por isso mesmo que ele tem sido usado como adoçante. E, com apelo de ser natural a lista de produtos que usam xilitol é bem grande, e vai desde sucos até chicletes e balas, passando por biscoitos, ketchup e muitos outros alimentos.Mas será que o xilitol é seguro para a saúde humana? Em 2024 um estudo publicado no European Heart Journal mostrou algumas evidências de que o xilitol pode ter alguns efeitos nocivos para nossa saúde (Witkowski et al., 2024).
Vamos entender melhor essa história?
O Xilitol
O xilitol é um tipo de carboidrato ou, se preferir, um álcool de açúcar (ou seja, um poliol). Na boca, estimula receptores gustativos que remetem ao sabor doce. Ele pode ser encontrado em baixas quantidades nas frutas (como ameixa, morango, framboesas), legumes e vegetais (como couve-flor, berinjela, alface, espinafre etc.), mas em altas quantidades em bebidas e alimentos artificialmente adoçados. Nesses alimentos onde o xilitol é adicionado, a quantidade de xilitol pode ser até mil vezes maior do que nos alimentos naturais que contém xilitol (Washuff et al., 1973).
Uma curiosidade: O xilitol tem importantes benefícios para a saúde bucal. Ele pode ajudar a prevenir cáries, gengivite e mau hálito. Isso porque ele inibe o crescimento de bactérias que causam esses problemas. Por isso você vai encontrar o xilitol na lista de ingredientes de pastas de dente e enxaguantes bucais (Milgrom, et al., 2006).
Na indústria de alimentos, o xilitol tem sido bastante utilizado como substituto do açúcar, já que a redução da ingestão de açúcar se tornou uma prioridade de saúde pública. Os adoçantes usados pela indústria são reconhecidos como seguros para consumo humano, e aprovados por autoridades de saúde pública (como o FDA dos EUA e o European Union, e a própria ANVISA aqui no Brasil).
Porém, por causa de estudos recentes levantando dúvidas sobre a segurança de vários adoçantes, a Organização Mundial da Saúde recentemente desaconselhou o uso de adoçantes, sobretudo os artificiais, para controle de peso corporal (OMS, 2023).
Ainda assim, o uso de adoçantes artificiais aumentou drasticamente, pelo mundo todo, em todas as idades e níveis socioeconômicos (Sylvetsky et al., 2012). E continua sendo recomendado para indivíduos que sofrem de doenças cardiometabólicas, incluindo obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares por várias organizações de diretrizes (por exemplo, American Heart Association e associações de diabetes nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália).
Para aumentar um pouco mais a controvérsia sobre possíveis efeitos prejudiciais dos adoçantes, uma pesquisa de 2024 mostrou que o xilitol, um adoçante natural, também pode ter efeitos negativos no nosso organismo e os seus resultados, se confirmados, podem mudar a forma como enxergamos e usamos os adoçantes, em especial o xilitol (Witkowski et al., 2024).
Sobre o estudo
Trata-se de um estudo de boa qualidade metodológica, com métodos robustos. Foram 3 sub-estudos separados com humanos (2 estudos de coorte com mais de 1.000 pacientes cada, mais um estudo de farmacocinética), além de uma série de experimentos em células humanas e animais. E, a ideia principal foi identificar compostos que poderiam estar relacionados ao maior risco “residual” de doenças cardiovasculares (isto é, risco que vai além dos fatores de risco tradicionais já conhecidos, como colesterol aumentado, diabetes, hipertensão, excesso de peso etc.) – e, entre estes compostos, estava o xilitol.
No primeiro estudo, foram realizadas análises de metabolômica (isto é, análises que tem por objetivo identificar e quantificar certos metabólitos produzido pelo organismo) em duas coortes diferentes. Uma primeira análise incluiu 1.157 pacientes submetidos a avaliação cardíaca na Cleveland Clinic com pelo menos 3 anos de acompanhamento. Utilizando espectrometria de massa não específica, os investigadores identificaram que certos compostos no plasma desses pacientes estavam relacionados à “eventos cardiovasculares adversos graves” (o que significa mortalidade por todas as causas, morte cardiovascular, acidente vascular cerebral e reinfarto do miocárdio) – o que os autores chamam de MACE – da sigla em inglês de Major Adverse Cardiovascular Events. Dentre estes compostos, os polióis (dos quais o xilitol faz parte) foram associados a risco de desenvolvimento de “eventos cardiovasculares adversos”. Mas nesse estudo, os autores usaram um método que não era capaz de diferenciar o xilitol dos demais polióis. Então eles fizeram um segundo estudo, agora com método aprimorado para quantificar especificamente o xilitol.
Então esse 2º estudo foi feito com uma novas coorte de pacientes (que inclusive, já apresentavam múltiplos fatores de risco cardiovascular): uma coorte da Cleveland Clinic nos EUA (n = 2.149) e outra do Hospital Charité em Berlim, Alemanha (n = 833). Os pesquisadores viram que:
- Níveis mais altos de xilitol foram associados com “eventos cardiovasculares adversos”
- Mesmo após ajuste para fatores de risco cardiovascular, níveis mais altos de xilitol continuaram associados a um risco aumentado (cerca de 2x mais) de desenvolver “eventos cardiovasculares adversos”. Ou seja, esse aumento do risco não foi dependente da presença de fatores de risco cardiovascular
Até aqui podemos concluir que teve uma associação entre o risco mais aumentado para eventos cardiovasculares e as concentrações de xilitol plasmático endógeno. E aqui é importante destacar que estamos falando do xilitol endógeno, ou seja, aquele produzido em pequenas quantidades pelo nosso corpo.
Para entender melhor os mecanismos envolvidos com essa associação entre o xilitol e risco cardiovascular, os autores fizeram um segundo estudo, agora com células sanguíneas humanas e com camundongos.
Eles adicionaram xilitol em amostra de sangue de indivíduos saudáveis, usando concentrações parecidas às que acontecem quando humanos consomem xilitol. Os resultados mostraram maior agregação e adesão plaquetárias, efeito esse que foi dependente da dose de xilitol. Ou seja, quanto maior a exposição ao xilitol, maior a reatividade de plaquetas no sangue – um fator de risco importante para trombose.
Confirmado estes achados, a presença de xilitol circulante (em níveis fisiológicos) em camundongos com lesão arterial aumentou taxa de formação de coágulo e risco aumentado para trombose.
Por fim, o terceiro estudo olhou para a farmacocinética do xilitol em 10 voluntários saudáveis. Para isso, a concentração de xilitol plasmática foi avaliada após consumo de 30g de xilitol diluído em água (o equivalente a uma porção grande de sorvete adoçado com xilitol). Após o consumo, houve um aumentou de ~1000 vezes no xilitol sanguíneo, o que permaneceu elevado pelas próximas >4h.

Diante destes resultados, pode-se concluir que:
- Xilitol foi associado a eventos cardiovasculares adversos graves ao longo de 3 anos de acompanhamento nas coortes estudas.
- Xilitol aumentou diversos índices de reatividade plaquetária e risco de formação de trombose
- Ingestão de bebida rica em xilitol aumento responsividade plaquetária em humanos
Apesar de ser um estudo muito bem conduzido, com análises sofisticadas e que conseguiu demonstrar os mecanismos fisiológicos e metabólicos por trás da associação com risco cardiovascular, ele não é livre de limitações. E, antes de extrapolarmos estes achados de forma precipitada para a prática e saímos por aí causando pânico nas pessoas que usam adoçantes, é importante fazer a ressalva de que este é apenas um estudo, e mais estudos clínicos são necessários para confirmar os efeitos do xilitol sobre a saúde cardiovascular. Ainda assim, estes dados devem soar como um alerta sobre a segurança do consumo de xilitol, e nos fazem céticos quanto à segurança do uso excessivo de adoçantes, e se de fato, eles devem ser vistos como substitutos do açúcar. Se por um lado os adoçantes podem ajudar no controle da glicemia (para pacientes com diabetes e resistência insulinêmica, por exemplo) e reduzir calorias da dieta, o seu uso pode aumentar risco de doenças cardiovasculares.
Então, o que sobra para nós, reles mortais, como alternativa? Devemos trocar o adoçante por açúcar? Ou, a melhor opção seria reduzir ambos (adoçante e açúcar) da nossa dieta! Essa, particularmente, me parece a melhor opção!
Referências
Witkowski M, Nemet I, Li XS, Wilcox J, Ferrell M, Alamri H, Gupta N, Wang Z, Tang WHW, Hazen SL. Xylitol is prothrombotic and associated with cardiovascular risk. Eur Heart J. 2024 Jul 12;45(27):2439-2452. doi: 10.1093/eurheartj/ehae244. PMID: 38842092; PMCID: PMC11492277.
Washuttl J, Riederer P, Bancher E. A qualitative and quantitative study of sugar-alcohols in several foods. J Food Sci 1973;38:1262–3. https://doi.org/10.1111/j.1365-2621.1973. tb07257.x
Milgrom P, Rothen M, Milgrom L. Developing public health interventions with xylitol for the US and US-associated territories and states. Suom Hammaslaakarilehti 2006;13:2–11.
Sylvetsky AC, Welsh JA, Brown RJ, Vos MB. Low-calorie sweetener consumption is in creasing in the United States. Am J Clin Nutr 2012;96:640–6. https://doi.org/10.3945/ajcn. 112.034751
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